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DESABAFO NOSTÁLGICO
Quando jovens, gostamos de testar as nossas potencialidades. O comportamento perante situações de perigo, é o desafio mais aliciante. Pegar toiros a modalidade que mais oportunidade dá para tal.
Não sou do começo da formação de grupos de forcados. Mas sou do tempo em que se começaram a estruturar. Isto faz com que tenha conhecimento profundo da sua implantação e do ambiente em que se desenvolveram e impuseram.
À-doc, sem nenhuma sequência, amigos juntavam-se e formavam um grupo de forcados para uma ou outra corrida. Daí ter-se enraizado a ideia de que um grupo de forcados ser um grupo de amigos que se junta para pegar toiros. Foi porém esta circunstância que originou dois grupos já devidamente formados e com carácter de continuidade - Santarém e Montemor. Pouco mais tarde, pelas mesmas razões, juntou-se-lhes um terceiro, o de Lisboa.
Não os norteava qualquer outro objectivo além do prazer que sentiam na fruíçao do perigo. Não tiravam quaisquer dividendos de qualquer espécie do seu feito. Por isso, por arriscarem a vida por ...nada., chamavam-lhes "os românticos da Festa".
Quando a idade aconselhava a deixar de pegar, faziam-no com a mesma simplicidade com que haviam entrado. Não havia voltas à praça aos ombros dos colegas, lágrimas de tristeza ou qualquer outra forma de dramatizar ou empolar a sua decisão.
Afastavam-se do Grupo, limitando-se a acompanhar as suas exibições como meros espectadores. No entanto sempre ansiosos pelo seu êxito. Nunca criticando quando tal não acontecia. Muito menos menorizando o comportamento dos forcados em acção ou a orientação dada ao Grupo mesmo não concordando com ela.
O perigo enfrentado em comum, a inter-ajuda necessária para pegar um toiro, cimentavam amizades que duravam até à morte. Entre os componentes dos Grupos havia admiração, sã camaradagem e respeito mútuo.
Mas o tempo, aquilo a que chamam evolução(?) foi, a pouco e pouco, destruindo todo este poético e romântico ambiente. O altruísmo deu lugar ao individualismo. O protagonismo tornou-se uma obsessão.
Os Forcados não ficaram imunes a estas transformações.
Hoje vêm-se elementos que vestiram a jaqueta de forcado e quase passaram despercebidos a dar, pretensiosamente, conselhos. A fazer censuras e avaliações aos que actuam. A internet é o seu instrumento. Apareceu assim o "forcadointernauta".Mas não é só a internet que lhes serve para conseguirem a visibilidade que não obtiveram na arena. Igualmente a intriga, o boato, a perfídia, a mentira, a má língua, impulsionadas pela inveja e frustração, lhes serve.
Os que são bem formados portam-se como verdadeiros FORCADOS. Como os de antigamente. Despem a jaqueta sem pompa ou circunstância e passam a apoiantes de bancada. Os outros, aproveitam a natural reverência dos mais novos, para se imiscuírem na gestão dos grupos criando, com "desconhecidas" (?) intenções, um ambiente de desagregação no seu seio.
Quer dizer, o que consideram não estar bem no Grupo, em vez de ser discutido com TODOS os que dele fazem parte presentes, consta-me que o fazem pela calada, tipo, no segredo dos deuses. Que triste figura.
De um ambiente deste tipo foi vítima Bernardo Patinhas, Cabo do Grupo de Évora, destituído de Cabo.
Todavia para a aficion, para o público, os mentores de iniciativas destas, os que nela colaboraram e os próprios Grupos atingidos, neste caso o de Évora, acabam por serem os mais prejudicados. A ideia de ingratidão, traição, desrespeito que delas transpira, confere-lhes uma imagem negativa de conspiração.
Para mais, no caso de Bernardo Patinhas, FORCADO à antiga, gozando da maior simpatia, reconhecida a sua valia nas arenas e o seu excelente carácter como pessoa. Ainda recentemente, no México, teve ocasião de mostrar o valor do Forcado português. Ironicamente, por extensão e dado o seu posto na altura, o do Grupo de Forcados Amadores de Évora.
Essa a razão porque na conjuntura desagradável e injusta que lhe impuseram, lhe mando um abraço de simpatia e solidariedade.
Por fim, o que me sugeriu o título deste texto? - a saudade que tenho do tempo em que não havia intrigas, traições, ânsia de mediatismo, pretensioso egocentrismo, em que os fins, por muito desejáveis, não desculpavam todos os meios. Os problemas discutiam-se frontalmente. Por vezes até com confrontos físicos. Mas à HOMEM, à FORCADO. Acabando quase sempre com dois ou três copos bebidos ao balcão de um bar.
Do tempo em que era ponto de honra as pegas serem feitas só por oito elementos por muito difíceis que fossem, chegando-se ao escrúpulo de só se substituir o que eventualmente se lesionasse, após este sair da arena. Da diversidade de pegas a que as características dos toiros que apareciam obrigavam: ao sopé, à ponta capote, à meia volta, à quebra da mão. Tornaram-se desnecessárias com a subida de qualidade dos toiros.
Hoje as pegas, aliás executadas com maior correcção que antigamente, a qualidade dos toiros permite tal facto, são todas de largo. Toiros mais pesados mas entrando de forma rectilínea e com sacudidelas/ derrotes verticais, dados em corrida, dão oportunidade a pegas vistosas apesar de menos combativas. Quando junto às tábuas, o toiro começa a derrotar a sério, mas já com os ajudas todos em cima. Também as pegas de cernelha, sofreram com esta subida de qualidade. Intitulada pega de recurso, deixou de ser necessária.E quando bem executada e num toiro que realmente a pedisse, era espectacular. Não falando
Estranho, do mesmo modo, a facilidade com que se abandona um grupo para ir pegar noutro. Tipo "olheiros" do futebol, há quem alicie os bons forcados deste ou daquele grupo, para o fazer. Na época jurássica, a minha, não eram aceites num grupo os elementos que já tivessem estado noutro, por muito bons que fossem. Pela frequência com que isto actualmente sucede, o mito de que um grupo de forcados é um grupo de amigos, não tem cabimento. Amigos não se abandonam com este à-vontade.
Enfim...sem querer encontrei-me a recordar o passado.Gostei da oportunidade. Não levem a mal. Não resisti à tentação.
Mas, o tempo não volta para trás. Lembro-me pois do passado adaptando-me, por vezes com certo custo, ao presente, sem já nada esperar do futuro.
Carlos Patrício Álvares (Chaubet)