RECORDAÇÕES QUE NÃO ESQUECEM/VAZ FREIRE -PITÓ

RECORDAÇÕES QUE NÃO ESQUECEM/VAZ FREIRE -PITÓ

        

Quanto mais perto está a data de abertura da época tauromáquica, maior é a expetativa dos aficionados. Para mitigar a impaciência, vem a recordação de bons momentos vividos em épocas anteriores, o desejo de que estes se repitam na que se aproxima e o receio, de que tal não aconteça.     

                                                   U M  F O R C A D O

Todavia os apaixonados pela Festa Brava, encontram sempre alguma coisa de interesse no espectáculo mais insípido: o trapio e comportamento do toiro, um ferro curto bem cravado; uma pega à antiga; um lance de capote, um passe de muleta. Um par de bandarilhas. Isto e mais aquilo.Por vezes, uma ou outra atitude bonita de um dos intervenientes.

No Campo Pequeno foi uma destas que me ficou na memória. Que me tocou.

João Vaz Freire, forcado dos Amadores de Santarém, foi à cara de um toiro não muito pesado, mas áspero, de José Infante da Câmara. 

Como normalmente sucede quando a qualidade é fraca o toiro, não teve a investida ampla e rectilínea que, hoje em dia, quase sempre os toiros têm.

Desviou a trajectória dificultando a entrada dos ajudas.Abrandou a corrida e, com forte derrote, sacudiu o pegador, embora este estivesse bem fechado. 

Saindo "disparado", bateu com a cabeça violentamente na arena ficando inanimado, à mercê do toiro que ameaçava investir contra o seu corpo. 

Momentos de aflição na praça e mais atitudes para recordar. 

Elementos "dos dois grupos" actuantes, Santarém e Montemor, (à forcado), alguns peões de brega (faltaram os bombeiros com a maca) saltaram à arena na tentativa de desviar o toiro do infortunado forcado.

Praça em alvoroço temendo o pior. Uma "multidão" procurando proteger com o seu próprio corpo, o de Vaz Freire. 

Foi bonito de ver!

Quando era levado em braços para a proteção da trincheira, João Vaz Freire recuperou os sentidos. Pôs-se de pé, cambaleante. Mostrou vontade de ir mais uma vez tentar a pega.

Os colegas, não percebendo que estavam a falar para um FORCADO e não, para um simples pegador de toiros, bem o procuraram dissuadir de tal intento. Nada conseguiram.

Um tanto oscilante, coxeando mas determinado, ei-lo de novo a desafiar o adversário.

O ver corridas e forcados há muito tempo, criou-me a pretensão de intuir, à priori, quando o pegador está, ou não, com verdadeira vontade. Com garra.

Disse a amigos que estavam perto e que, por verem J.V.F. combalido, tinham opinião contrária: "VAI FICAR LÁ!".

Felizmente, assim sucedeu. Os muitos anos que levo de ver Forcados e candidatos a tal, faz-me ter a faculdade de saber separar o trigo do joio.

Carlos Patrício Álvares (Chaubet)

 

 

         

                                 S E M P R E  O  F O R C A D O  C O M O  T E M A 

A simpatia  que tenho pelos FORCADOS, leva-me a ficar bastante sensibilizado se  percalço  grave acontece a algum. Mais  quando é com a própria vida que paga a prática de tão arriscada modalidade. Essa a razão porque me  emocionei especialmente com a morte de Ricardo Silva, o “Pitó”, ocorrida em 16 de Agosto de 2002, na Praça de Toiros de Arruda dos Vinhos.

No passado dia 3 de Julho, ao  ver  a  sua  fotografia  no  mural criado em sua memória, comovi-me. Lembrei-me então do que tinha escrito sobre o o infeliz acontecimento que o vitimou. Senti desejo de o dar a ler novamente. É mais uma forma de o fazer lembrado. Da sua família ver que o “Pitó” não caiu no esquecimento. “A ALMA É ETERNA?” é o  título desse doloroso  escrito.

.”A Morte, além da tristeza, dor, e desespero que traz, constitui um mistério para o homem. Haverá vida depois dela? Se há, para onde a iremos gozar? Haverá céu, purgatório e inferno, como pregam os católicos? Voltaremos à terra quantas vezes forem necessárias para nos purificarmos, para atingirmos o estado de Nirvana, como dizem os budistas? Haverá realmente reencarnação como afirma o Hinduísmo? Só a crença numa qualquer religião nos pode dar uma certeza. Para quem não tem em quem acreditar a Morte  continua um enigma.

Ou antes, um acontecimento natural a que ninguém escapa e que não tem  história  após  suceder. Depois podemos “viver” sim, mas só na memória de quem nos recordar.

Porém  por vezes a Morte apanha-nos de surpresa. Aparece brusca e prematuramente e o que é natural e inevitável, passa a ser uma tragédia, uma partida do destino.

Foi o que aconteceu na fatídica noite de 16 de Agosto de 2002 na Praça de Toiros de Arruda dos Vinhos. Um toiro ceifou a vida a Ricardo Silva, jovem Forcado do Grupo de Vila Franca de Xira. Tinha 25 anos…

Recem  casado, à sua frente toda uma vida para constituir família. Bom filho, bom irmão e amigo do seu amigo. Quando do seu funeral, a dor e angústia de familiares e companheiros era contagiante.

Porém não foram só eles  a sentir a injustiça desta perda. As ruas de Vila Franca de Xira encheram-se de gente. O trânsito parou. Conhecidos e anónimos, todos se queriam despedir do Ricardo Silva, o popular “Pitó”,  que  tantas simpatias granjeara, com a sua maneira de ser simples e agradável.

  Não há nada que compense ou mitigue a perda de um filho, de um irmão, da pessoa ao lado da qual pensávamos viver para   sempre. Nem de um amigo de todos os dias. Mas o Ricardo Silva morreu como um herói. Provou que nos mistérios da Morte,  há uma certeza – a ALMA é a última a abandonar o corpo.

O embate do corpo do “Pitó” contra a trincheira foi tão violento que viria a custar-lhe a vida. Logo se intuiu a  sua  gravidade .        

 Todavia Ricardo Silva, o Pitó, era um FORCADO. Não se rendeu. Havia  que  consumar a pega.

 Bem fechado na cabeça do toiro, aguentou estoicamente as dores. Quando  este  parou estava esgotado. Foram os colegas que  ajudaram a desfazer o abraço fatal. As suas últimas palavras, ditas de forma simples e calma: ESTOU-ME A SENTIR MAL-  faziam pressentir  o  pior – as tentativas para o reanimar foram inúteis. Mas denotavam o orgulho, a satisfação, a certeza de ter  sabido honrar a jaqueta de ramagens que vestia.                                                       

 A ALMA DE FORCADO do Pitó, infelizmente não venceu a traiçoeira Parca mas, obrigou-a a esperar.

 E se realmente a Alma não morre, ele ouviu o toque do cornetim chamando para a pega, os emocionados aplausos da multidão que dele se despediu, quando a urna com o seu corpo deu volta à arena.

 Imagino-o lá em cima, para onde os padres dizem irem os bons, de barrete na mão e lágrimas nos olhos, agradecendo sensibilizado a distinção recebida.

 Eterno descanso é o que desejo para o Ricardo Silva, o “Pitó”

             Carlos Patrício Álvares – “Chaubet”

 

                                               

  

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